Quando nos salta a tampa (e temos poucos sítios para onde fugir…)

Et voilá… já cá estamos todos outra vez, a ter de atafulhar a vida dentro de quatro paredes e a gerir os desafios que disso decorrem, em modo quase ininterrupto: trabalho, filhos, escola dos filhos, tarefas domésticas, RESPIRA, trabalho, filhos, escola dos filhos, tarefas domésticas, RESPIRA… Acho que é mais ou menos isto. Se calhar, com uma espécie de “cerejinha no topo do bolo” por ser uma realidade vivida pela segunda vez, sem que tenhamos tido verdadeiramente tempo de ganhar fôlego para o embate.

E sim, é difícil. Muito. Uns dias mais do que outros, às vezes com o melhor que somos, outras vezes com o melhor que nos é possível e na verdade… está tudo bem!

Uma das coisas que tenho reforçado em mim neste tempo estranho que vivemos é que mora dentro de nós uma espécie de poder genial que nos permite, devagarinho, ir respondendo ao mundo (que na verdade agora é a casa onde moramos) de forma cada vez mais refletida e regulada. E isto, acreditem, faz mesmo toda a diferença.

A este poder genial chamamos auto regulação emocional e é ela que nos permite identificar e reconhecer as emoções que são ativadas dentro de nós, para depois decidir, de forma mais consciente, a ação que queremos empreender perante a situação que a despoletou, o que, traduzido em miúdos, pode fazer mesmo a diferença.

Ora vejamos a seguinte situação:

O meu filho risca o caderno da cópia e grita-me: “Estou farto disto!”

a) Eu começo a ferver, estico o dedo indicador na sua direção e grito-lhe mais alto: “E eu estou farta de ti! Nunca mais fales comigo assim, ouviste bem?”

ou,

b) Eu percebo que estou a começar a borbulhar por dentro e afasto-me da situação durante 5 minutos.

É fácil escolher sempre a resposta b? Nada. É possível? É.

Porque podemos aprendê-lo e porque sempre que escolhemos não reagir, ou seja, sempre que permitimos uma pausa entre a situação-gatilho e a nossa ação, estamos a permitir ao cérebro acalmar-se e reconectar-se com aquilo que nos é mais importante: agir com amor e consciência, ensinando-os a fazer o mesmo.

E como podemos nós treinar este poder genial que nos mora dentro e que nos permite sentarmo-nos com as nossas emoções, oferecer-lhes um chá e decidir o caminho a seguir a partir daí? Com arte, engenho e muito treino prático das propostas que se seguem:

Parar e aguardar. Assim que comece o alvoroço dentro, pode ser importante reconhecê-lo, parar e mudar de cenário. Sair à varanda, ir à casa de banho, ir levar o lixo, beber um copo de água. Tudo o que nos permita ter espaço para respirar fundo e arrefecer será aquilo que precisamos verdadeiramente no meio da tempestade.

Pensar em coisas que nos fazem bem ou pelas quais nos sentimos gratos. Isto permite a identificação com outros sentimentos que nos ajudarão a (re)estabelecer o foco com as nossas intenções enquanto pais, contribuindo também para um sentido de maior empoderamento perante a situação que estamos a viver.

Conectarmo-nos com o outro (neste caso, com os nossos filhos). No momento em que nos sintamos mais regulados e mais capazes de agir (ao invés de reagir), dar-lhes um abraço, dizer-lhe que estamos disponíveis para conversar se assim se sentirem também. Dizer-lhes que foi um momento difícil para ambos mas que podemos falar sobre isso e encontrar soluções em conjunto.

Falar sobre o assunto. Trinta minutos depois ou três horas depois. O mais importante é que este momento seja sentido como adequado por ambos. Descrever a situação, de uma forma neutra e evitando os tão tentadores julgamentos prévios e generalizações, falar sobre aquilo que sentimos sem o justificar com o comportamento da criança, pedir desculpa e ouvir aquilo que têm para dizer, em aceitação incondicional. Estes serão sempre os ingredientes que constituirão uma espécie de porta aberta e convite a entrar, que a ambos permitirá descansar e crescer.

Tal como começámos este texto, o desafio que já era imenso tornou-se ainda maior mas esta coisa boa de sabermos que mora em nós mora o realizador, o argumentista e o ator principal das nossas vidas será sempre luz e força e vontade de agarrar o guião, mesmo que tenhamos de o rascunhar e reescrever vezes sem conta. É afinal isso, que tornará sempre tudo tão mais especial…

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Eu, Rita.

Sou psicóloga e formadora com especialidade na área da saúde e da educação e trabalho como psicóloga escolar desde 2006, atividade que muito me preenche e me faz acordar todas as manhãs cheia de energia e vontade de continuar a aprender.

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