Às vezes não oiço o que sinto.
E tenho de isolar as vozes que me ecoam na cabeça, para as identificar e lhes tirar todas as manhas. Depois, preciso de tempo para me reencontrar no meio da multidão e escutar-me, com a atenção que me é merecida.
Acredito cada vez mais, que esta mania de não nos ouvirmos é aprendida na infância e que as vozes que nos ecoam vezes demais e nos atrapalham o sentir, são as vozes dos adultos com que nos cruzámos ao longo do nosso crescimento.
Não que tenha sido educada de uma forma castradora. Não fui. Cresci até com a liberdade e o respeito que me eram devidos, mas cresci num contexto social que ensina às crianças que é o adulto que sabe sempre, que decide, que manda, desde as coisas importantes, até às mais triviais: “Esse escorrega não é para subir, apenas e só porque foi pensado para descer”; “Eu tenho frio e por isso, mesmo que tu não tenhas, esse casaco é para vestir”; “Eu já te disse que o banho é para ser tomado antes da brincadeira (mesmo que o corpo te peça desesperadamente para fazer já o desenho que trazes na cabeça)!”; “E sim, hoje levas os calções azuis porque eu acho que são os que ficam melhor com essa t-shirt.”; “Onde é que já se viu um céu verde? Vai lá buscar outra folha…”
Os adultos são modelos fundamentais na vida de uma criança, mas a autoridade e o respeito que inspiram não será nunca medido pelas ordens inquestionáveis que decidam suas por direito, que tantas vezes são obedecidas mais pelo medo, do que propriamente pelo entendimento daquilo que as originou.
E confundir a recusa do autoritarismo, com permissividade, é não saber do que se fala…
Há algum tempo, num jantar de amigos, perguntaram ao meu filho quem é que mandava lá em casa. A resposta pronta e espontânea foi: “Ninguém.”
O meu radar de mãe (ainda) rainha da culpa e de pessoa crescida bem ensinada, deu o alerta e acionou uma espécie de desconforto crescente, alimentado pelas vozes dos outros e pelas ideias que me vinham à cabeça: “Será que ele devia responder que era eu? Será que ele pensa que isto é a república das bananas? Será que era assim que era suposto ser?
Será… Será…. Será…
Trouxe as suposições comigo e deixei que me habitassem dentro mais umas horas. E só depois de as isolar, de as identificar e de as compreender, fui capaz de me encontrar, a mim e ao meu filho, na relação que temos e naquilo que já construímos juntos, nesta oportunidade imensa de aprendermos um com o outro.
E é nas vezes em que ele me torce o nariz, em que me contesta, em que contrapõe com uma proposta diferente para atingir um mesmo resultado, que o meu peito se enche de orgulho pelo ser humano que é.
Às vezes fazemos como eu proponho, outras fazemos como ele propõe. Às vezes ao meu ritmo, noutras tantas ao seu passo. E em muitas, muitas delas, partilhamos ideias e chegamos juntos a um “modus operandi” que sirva a ambos.
Se me era mais fácil que ele agisse sempre como um macaquinho amestrado e bem polido, ao melhor género das crianças Von Trapp?
– Era! Sem sombra de dúvida!
Se isso contribuiria para que crescesse a ouvir-se primeiro e a confiar também na luzinha de sabedoria que traz dentro e que lhe será sempre, pela vida fora, poderoso farol?
– Não. Com toda a certeza.
A minha tarefa enquanto mãe é ensinar o questionamento, a auto-confiança, a vontade de ser, independentemente do que queiram que o meu filho um dia seja.
A minha tarefa enquanto mãe é mostrar que existem caminhos diferentes, formas diferentes de pensar e de agir no mundo e que cada um de nós deve encontrar as suas, mesmo que nos queiram ensinar por todos os meios, que a obediência cega é sempre o caminho mais fácil e mais confortável.
Não é isso que eu te quero ensinar meu amor, porque tu és, como alguém de forma tão bonita um dia disse, o capitão da tua alma. E eu desejo, de coração inteiro, que não percas nunca o leme de ti mesmo e que te descubras e te encantes, na essência perfeita de quem és.